Da amargura de Michelle

Só um ingénuo pode pensar que Barack Obama não tem uma “questão racial”, coisa que mesmo antes da “descoberta” das opiniões peculiares (chamemos-lhe assim) do rev. Wright se desconfiava, dado o percurso pessoal de Obama: nascido numa familia multi-racial, criado pela mãe branca, convivendo com o padrasto e a irmã asiáticos, cresceu para se juntar à comunidade negra de Chicago, casou e fez família nessa comunidade. Desculpem-me, mas não é um percurso de quem está absolutamente desligado desse assunto demodé (segundo Obama) que é a barreira racial. Pode ser resultado do crescimento com o pai ausente, mas isso não altera o desejo de adulto de Obama de pertencer à comunidade negra.

Mas, se dúvidas houvessem, Michelle Obama dezfaz-nos estas inquietações. A senhora claramente não gosta da América em que vive, e só gostará se e quando um negro mandar nos WASPs. Mostra-se amarga, com aquela amargura que é tão cultivada (infelizmente) por tantos negros americanos e uma vitimização que (para mim) ofusca a crença obrigatória para qualquer seu comptariota no “sonho americano”; e que está perigosamente próxima do above mentioned reverendo Wright. (além de partilhar com o marido a ideia de é uma pessoa especial e que os outros podem acreditar nela porque é ela e ela é especial, como se verifica quando afirmou que as mulheres – que votam em Clinton – podiam estar descansadas que o marido entendia muito bem os problemas e esperanças femininos porque – que outra razão haveriam estas mulheres de querer?! – estava casado com ela.)

Leia-se o que escreveu Yuval Levin sobre Michelle Obama:

By her husband’s logic, Michelle Obama must be a heavily armed xenophobic religious zealot, because boy is she bitter. (…)

She first offers, as she often does in her appearances, a kind of victim’s history of the 2008 Democratic primary race. In Mrs. Obama’s telling, the Obama campaign becomes not an extraordinary mix of strategy and skill, but a sad reflection on the unfairness of American life. The bar, we are told, is always being raised just as her husband is about to reach it. They said he couldn’t win because he didn’t have an organization. Then he built an organization, so they said he couldn’t win because he didn’t have money. He raised money, so they said he couldn’t win because he couldn’t win caucuses. He won caucuses, so they said he couldn’t win because he couldn’t win primaries. In the tone and substance of the story is the implication that the fact that this race isn’t over is evidence of a profound injustice done to her husband. “The bar is constantly changing for this man,” she tells us. Of course, the only relevant bar in an election is whether you win a majority, and Sen. Obama has yet to win a majority of Democratic delegates. If he did, the race would be over. The bar’s not moving. But this tale of woe is really only an introduction to a larger and more sweeping list of bars getting raised just as hard working people are reaching for them. “So the bar has been shifting and moving in this race,” she says, “but the irony is, the sad irony is, that’s exactly what is happening to most Americans in this country.”

 

 

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11 respostas a Da amargura de Michelle

  1. Mário diz:

    Já tinha algumas saudades de ler a minha cara ‘Carmex’. Aproveitei para ler um mês de posts e recordar que, felizmente, existem algumas ovelhas negras que insistem em fugir ao rebanho.

  2. Carmex diz:

    Mário, seja bem-aparecido!

    Garanto-lhe que estava preocupada consigo, com esta ausência tão longa… Mais uns tempinhos e ia enviar-lhe uma mensagem para o seu mail do Sobretudo…

    Mas está bem e é isso que interessa! E veja lá para baixo, que eu deixei-lhe um desafio literário há uns tempos. Espero que a ausência se tenha devido só a razões prazentosas.

  3. Mário diz:

    Fico sensibilizado pela sua preocupação, que não imaginei que tivesse provocado.

    Não foi uma ausência física mas um afastamento destinado à actualização do meu estado de ignorância. A vida é curta é há que saber o que faremos de útil até ao seu término, escolher os combates certos, as paixões certas e as obras que não se poderiam concretizar sem nós.

    Sobre o desafio literário, tentarei responder com brevidade.

  4. Mário diz:

    À medida que fui lendo os seus artigos fui tirando umas notas:

    – Há um respeito suicida pelas causas fracturantes. Se bem que os seus defensores as queiram ver pelo lado da novidade, da renovação, da inovação, do progresso, etc. o que as caracteriza mesmo é a tentativa de fractura. Aquela fractura feita pela pequena cunha na rocha enorme, que metida no local certo pode destruir tudo.

    – Fã do Sexo e a Cidade? Eu vi aquilo durante muito tempo até chegar à conclusão que aquilo é o retrato de um bando de esquizofrénicas… Não há nada sobre amizade, sexo, sentimentos. Quem escreve aquilo não sabe o que são essas coisas. Como os macacos de imitação simulam reacções baseadas no que observam, também certos escritores simulam saber algo sobre o qual nada sabem.

    – O ateísmo e agnosticismo não estão decadentes, na verdade a decadência da sociedade é a prova da sua vitalidade.

    – O trintão que não se quer comprometer é um mito, talvez baseado em pouquíssimos homens que têm um poder de atracção enorme sobre as mulheres e não querem compromissos para que o seu estatuto de semi-deuses não se apague. A situação actual dos trintões é bem diferente. Os trintões (homens apenas) são uma casta maldita. As mulheres trintonas querem carne fresca, não ligam aos da sua faixa. Por sua vez, as mais novas acham os trintões demasiado velhos. Temos então que os trintões estão num limbo, ninguém os quer.

  5. Carmex diz:

    Razões prezentosas, portanto.

  6. Carmex diz:

    Discordo do estado dos trintões. Eu sei de alguns casos em que são uns cabeças de vento, cheios de medo de assumirem qualquer responsabilidade na vida de outras pessoas. E não acho isto nada atraente. Os outros lá encontrarão a sua cara-metade.

    E pois, o sexo e a cidade é irreal, como eu disse. Mas tinha piada. e vestiam-se muito bem. Não pode negar isso….

    Quanto ao ateísmo, penso que o Mário se refere à Europa, que agora se orgulha muito de ser pós-católica, e o JCN se referia a todo o mundo, havendo uma religiosidade crescente.

  7. Mário diz:

    Os trintões que conheço querem compromisso… só não encontram quem se queira comprometer (e que valham a pena, há esse grande pormaior…). Se sabe de muitas mulheres disponíveis, avise que ainda vamos fazer muita gente feliz 🙂

    Sobre o ateísmo, que não é a defesa que todos devem poder ser ateus mas que todos têm que ser ateus, não penso ser só na Europa que a doença alastra. Claro que por aqui é a uma lepra que todos se orgulham de ter mas não acredito que a religiosidade efectiva esteja a crescer no resto do mundo, até porque estes projectos totalitários têm que ter, pelo menos, o selo de garântia da ONU.

    O ateísmo noutras paragens têm de assumir outras vestes. Não se vai para Meca gritar pelo afastamento Islão da vida pública. Não se vai para o extremo-oriente propôr a conversão ao niilismo. Nestes casos a solução é transformar o Islão numa caricatura do que já foi, tornando-o revolucionário, e convidar os orientais para a “modernidade”. O ateísmo na Europa também não disse logo ao que vinha.

  8. Mário diz:

    Lista de autores que de certa forma descreve a minha evolução e não propriamente aquilo com que mais me identifico neste momento:

    1. Júlio Verne – No começo da adolescência foram dos primeiros livros que comecei a ler depois da banda desenhada. As experiências anteriores, de escritores portugueses de literatura infantil, não tinham corrido muito bem. Verne não só mostrava-se inventivo como tinha sempre personagens de forte carácter. Ainda há poucas semanas, ao reorganizar a biblioteca seleccionei alguns dos seus livros para estarem à mão. Por culpa de Júlio Verne fui para engenharia, o que me afastou da Verdade. Contudo, ao mesmo tempo isso também me afastou da mentira.

    2. Gabriel Garcia Marquez – No final da adolescência descobri o universo de GGM. A idade certa para este universo onírico, de vidas trágicas, paixões impossíveis e o desejo da descoberta do “sexo alheio”. Talvez se tivesse descoberto os seus livros mais tarde o impacto tivesse sido muito diferente, bastante esbatido. São as nossas próprias situações que fazem as obras entrarem em ressonância em nós.

    3. George Orwell – Dos vários livros de Orwell que tenho apenas li o “1984”, e já há vários anos. Contudo o impacto foi tal que fui assumindo a responsabilidade de escrever um novo “1984” alertando para os possíveis totalitarismos futuros, já em plena fase de construção.

    4. Henryk Sienkiewicz – Autor de Quo Vadis? Que acabei de ler há poucas semanas. Nada como um bom romance histórico pode nos colocar numa época distante, sentir os locais, as pessoas, os dilemas. É fabulosa a criação da personagem Petrónio, um augustal que jogava a vida e a morte na corte de Nero sem temer as consequências. A imagem que temos de Nero é também daqui que vem, o supremo dos egocêntricos. O martírio das primeiras comunidades cristãs, o processo de conversão do Romano Vicínio. Esta quarta escolha também representa a cultura clássica, o livro está colocada numa estante especial, na companhia de Homero, Joyce, Dante, Shakespeare, Chaucer, Mann, etc,

    5. A Bíblia – Estou a ler O Livro e não é o que esperava…

    Os livros que devem repousar na bancada são uma categoria ambígua, pois podem incluir coisas muito variadas. Quando somos novos podemos acreditar que Nietzsche é um grande filósofo, que os livros de divulgação científica nos vão ajudar a explicar tudo o que é importante, que a sociologia é uma actividade séria, que Freud percebeu alguma coisa do ser humano e até que a maior parte do que se encontra nas livrarias merece ser lido. Há muita coisa desta que fica na prateleira porque se revelou na sua pequenez. Mas há outras coisas que lá estão por razões diferentes, as Mil e Uma Noites porque podem ser lidas de várias formas, e os inúmeros livros de budismo e de zen que li e, por incrível que pareça, me forçaram a olhar para a minha própria cultura e, finalmente, reconhecer a importância do cristianismo.

  9. Carmex diz:

    Mário, todos os autores que fala também foram importantes na minha adolescência. Do Jules Verne adorei o Miguel Stogoff. O Quo Vadis também foi um dos meus favoritos muitos anos. E ainda há pouco tempo li o Animal Farm de Orwell e gostei ainda mais do que o 1984 (mas pode ter sido por tê-lo lido já há vários anos).

    Quanto à Bíblia, não sei se é muito boa ideia lê-la assim de uma assentada. Desta forma, só mesmo a Bíblia de Jerusalém (a melhor tradução, de longe, ainda que um bocadinho abrasileirada, e lendo todas as notas (que a BJ tem) ou, preferencialmente, livros que nos coloquem no contexto do texto. Se não for assim, não entendemos nada do que está na Bíblia. São textos demasiado antigos para serem lidos com os olhos do sec. XXI.

  10. Carmex diz:

    Ah, e qualquer dia arranjo-lhe um blid date com alguma das minhas amigas, eh, eh, eh…

    E quando tiver o seu livro completo, não se esqueça de o apresentar à Sargenor!

  11. Mário diz:

    O 1984 não é propriamente um livro para se gostar e é incrível que tanta gente já o tenha lido mas não se consegue rever lá, apesar das evidênciais.

    Quanto à Bíblia, penso que só há duas formas de a colocar no contexto, lê-la de seguida (e estou a fazer isso há mais de um ano) e ter um background suficiente para perceber o enquadramento implícito. É preciso alguma maturidade, especialmente nos tempos que correm.

    Em relação ao “meu livro”, apesar de já ter montes de ideias alinhadas nem sequer tenho planos para começar, pensando numa coisa para durar anos.

    E em relação a um encontro com alguma das suas amigas, não me tente que eu ainda alinho nisso.

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