A senhorita Câncio, nos seus esforços bem sucedidos para nos entreter (rindo dos seus disparates, pois claro), escreveu que Fernando Lima não esteve em nenhum de ‘todas os momentos públicos da recandidatura de cavaco’, concluindo com a sua lógica infalível (mas não acessível a quem possua mais de três neurónios ou, em alternativa, um resquício de bom-senso) que este desaparecimento de Lima é ‘a mais eloquente das confissões do presidente-candidato no que à intentona das escutas respeita’. Logo houve quem constatasse o facto de Lima não ter desaparecido e ter, ao invés, comparecido, mas isso não tirou fervor à opinião de Câncio: se Lima não estar é confissão de culpa, Lima afinal estar é confissão de culpa na mesma, porque se Lima esteve, ‘esteve muito discreto e disfarçado — não dei por q um único órgão d comunicação social tivesse assinalado a sua presença — e só visível para quem lá se deslocou, o q não inclui, naturalmente, a maioria das pessoas. é inegável q lima se esconde e é escondido’ . (O bold é meu – e, apesar de Lima ter sido avistado, e de tal facto irritante, ainda que não destruidor implacável de teorias da conspiração quando as pessoas são muito, mas mesmo muito sectárias, ter chegado ao conhecimento da senhorita Cãncio, o post inicial continua enganando os leitores).
Fazendo o ponto de situação: Lima, apesar de se apresentar publicamente numa cerimónia pública, esconde-se e é escondido (e, claro, a confissão mantém-se).
Ora sucede que eu, tal como a Isabel Goulão, o Manuel Pinheiro e o João Gonçalves, estive também na inauguração da sede de candidatura de Cavaco Silva e, lamentando desiludir quem já esperava confissões de culpa assinadas por Cavaco Silva, vi Fernando Lima. Mais. Não tendo estado sempre seguindo os movimentos de Fernando Lima e ter olhado sobretudo para outras pessoas, apesar de tudo parece-me que estou em posição de garantir: Fernando Lima não se apresentou na inauguração de candidatura sob uma mascarilha de Zorro, não escolheu como indumentária um disfarce à Dupondt ou à Peter Sellers na Pantera Cor-de-Rosa, não se sentou num cantinho cabisbaixo e virado para a parede, nem largava a correr Avenida da Liberdade abaixo (ou acima), com mãos e braços e casaco a cobrir-lhe a cara de cada vez que um jornalista ou uma câmara de televisão se aproximavam. Pensando bem, se calhar foi por não fazer nada disto que a srta Câncio considera que Lima foi muito discreto. Contudo, lá está, se os jornalistas (incluindo o do DN?) escolheram não referir Fernando Lima e as televisões decidiram não mostrar imagens de Lima isso é, sem qualquer dúvida, culpa de Lima (e de Cavaco, pois claro); se nos esforçarmos, ainda se consegue argumentar que estas decisões dos órgãos de comunicação social são também evidência cristalina da confissão de culpa de Cavaco Silva.
Sobretudo, interessa levantar pó para não repararmos na duplicidade de critérios da mais séria jornalista portuguesa. Ao senhor Sócrates, nas sucessivas novelas políticas que ele invariavelmente protagoniza, só se podem, segundo a excelsa jornalista, pedir esclarecimentos políticos se estes estiverem alicerçados em factos que levem, pelo menos, a uma acusação pelo ministério público. A licenciatura manhosa, o preço da casa, as casinhas beirãs, o Freeport, o plano para a comunicação social – nada disto pode ser assacado ao pm e quem o fizer é um pulha ou um filho disto e daquilo (ou outro adjectivo querido dos jugulares), está a caluniar, afinal nada disto foi provado em tribunal, blablablá. Quanto a Cavaco Silva, a exigência para os críticos diminui substancialmente. Escutas de telefonemas onde o primeiro-ministro se compromete em coisas dúbias são atentados ao estado de direito, mas para o PR dá-se como provadíssimo algo que se conta num e-mail roubado e que refere as conversas do autor do e-mail com alguém que trabalha para Cavaco Silva (não, não há nada de Cavaco nem de Lima). E, de regresso ao assunto do post, a ausência de Lima é evidência de culpa, a presença de Lima é evidência de culpa. Na verdade, a existência de Lima é evidência de culpa. Daquelas, claro, que um tribunal jugular certificaria. E seguiria para condenação e execução, tudo num total de uns sete minutos.