Os 7 pecados mortais (3º episódio: o conformismo, o melhor aliado da cultura corporativa)

A melhor definição de pobreza que alguma vez ouvi foi na versão criativa do Brasil: pão de pobre cai sempre com a manteiga para baixo. Está tudo dito aqui. E porque começo eu hoje a falar de pobreza nesta tentativa de desmontar os equívocos culturais e os pecados mortais? Porque a pobreza é o resultado, para uma maioria, da aplicação da cultura corporativa na organização política e social. Esta organização política e social também é chamada de democracia. A pobreza, como resultado para a maioria, da aplicação da cultura corporativa, tem em si a chave para desmontar os restantes pecados que ainda não abordei, porque servem de público, de base de apoio, de burros de carga, de cobaias, de alibis, etc. etc. para a promoção do pecado em geral: inveja (cobiça), soberba (ou vaidade), avareza, preguiça, ira, gula, luxúria. (*) Numa palavra, dependentes disto e daquilo, característica de um conformista que se preze.

Só um breve exercício: como definiriam pobreza no séc. XXI? Precisamente: o não acesso à informação, e aqui informação quer dizer dados fidedignos, e as causas verdadeiras de factos concretos. Também poderia ser: o não acesso a uma educação de qualidade que prepare para observar, reflectir e decidir. E também: o não acesso a um trabalho digno que permita uma colaboração activa numa dada comunidade e capacite para uma autonomia relativa. Estão a ver o pão cair no chão com a manteiga para baixo, não estão? Se não estão, eu explico melhor: em vez de informação, o que é que o pobre recebe? Isso mesmo, ficção nacional televisiva, programas de entretenimento de fraca qualidade, programas de divulgação da “ciência para as massas” em que os sexólogos substituem os filósofos, os criminólogos os sociólogos e os bisbilhoteiros os jornalistas, etc. De vez em quando há um ou outro programa com informação de qualidade, é certo, mas só toca na saúde (médicos, nutricionistas, etc.), já repararam? Não há espaços de debate e reflexão. Porquê? Porque o melhor aliado da cultura corporativa é o conformismo: aceitação acrítica da organização política e social, que é promovida e mantida pela cultura vigente, para a sua própria manutenção. Por outras palavras: evitar a todo o custo que as pessoas parem, observem, reflictam, questionem, decidam, baseadas em informação real, fidedigna.

É por tudo isto que, de todos os pecados mortais, o que me levou mais tempo a descodificar culturalmente foi precisamente o da preguiça. É o que implica mais preconceitos culturais, mais equívocos, mais alibis. E de novo, o pão do pobre fica com a manteiga para baixo. Querem ver? A que é que a cultura corporativa cola a preguiça? Ao trabalho. Querem ver por onde começa a definição de preguiça na wikipedia? “… aversão ao trabalho … ” No entanto, é a própria cultura corporativa a dificultar o acesso a um trabalho com as características que defini lá em cima. Chega ao ponto de o utilizar como isco para o voto, mas depois de prometer não dá e quando dá tira depois. E pode esticar ainda mais a corda, utilizando os recursos colectivos para aliciar uma parte da população ao maior conformismo de todos: a dependência de subsídios. Isto é a maior perversão cultural de todas: só uma economia saudável pode criar riqueza, essa energia vital de um país, os vasos sanguíneos digamos assim, as condições favoráveis para a criação de trabalho. Ora, não sabendo criar riqueza e não percebendo nada de economia, resta à cultura corporativa, depois de ter esgotado os recursos, passar à fase seguinte: procurar os alibis do costume e apelar para a mobilização colectiva em nome do interesse nacional. Nem que para isso apelide de preguiçosos os que estão inactivos. Que deverão aceitar qualquer trabalho, mesmo ao nível da escravatura. Claro que muitos já debandaram do país, e muitos outros se seguirão. O pior nestas coisas sobra sempre para os velhos, os mais vulneráveis, e as crianças das famílias que não têm essa alternativa.

É por isso que a voz da Igreja e da cultura cristã é tão incómoda: é que o que a cultura corporativa esperava era apenas o discurso que servia o interesse oficial, da capacidade de generosidade fraterna e de voluntariado. Claro que essa generosidade existe. Mas a Igreja percebeu estes tremendos equívocos culturais: se deixasse que esses alibis (crise internacional, mobilização nacional, patriotismo, etc.) substituíssem a verdade, seria cúmplice da narrativa oficial da cultura corporativa. A Igreja não quis ser cúmplice, não aderiu ao conformismo generalizado, delimitou os seus valores, não são negociáveis. A Igreja percebeu que a sua voz é determinante para desmontar estes equívocos culturais, numa época em que é cada vez mais difícil confiar numa qualquer informação. A Igreja propõe uma cultura cristã, incompatível com a cultura corporativa. Perfeitamente incompatível. Na cultura cristã, ou Civilização do Amor (Papa Bento XVI), cada indivíduo tem uma dignidade intrínseca, liberdade para escolher e decidir (livre arbítrio), e a comunidade cristã encontra sempre forma de se equilibrar internamente, cuidando naturalmente dos mais vulneráveis.

Vejam agora como esta organização baseada na cultura cristã se adapta na perfeição aos desafios do séc. XXI: uma economia baseada na informação e no conhecimento, uma economia em rede e não condicionada e limitada, que percorra livremente todo o espaço vital, uma energia viva, resultado natural de diversos talentos e inteligências, como os vasos sanguíneos de que falei ali atrás. Uma economia assim tende para o seu próprio equilíbrio, a meu ver. E é muito mais dinâmica e saudável do que a corporativa actual.

(*) Lista de pecados mortais actualizada posteriormente, pois, por lapso, a avareza tinha sido omitida.

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