Eu tenho muitas reservas sobre este sacrossanto direito à greve. Parece-me algo saído das cavernas marxistas da luta de classes e é para mim inentendível que haja um confronto de interesses entre patronato e trabalhadores. Pelo contrário, reputo de evidente que o sucesso dos trabalhadores é intrínseco ao sucesso da sua empresa (e, logo, dos capitalistas seus donos) e que o sucesso de uma empresa traz consigo o sucesso dos seus trabalhadores. Digo eu que empregadores e trabalhadores têm interesses comuns e nada em conflito – ainda que a porção do sucesso de uma empresa que cabe ao capital e a que cabe ao trabalho possa ser motivo de desentendimentos. É normal que os trabalhadores queiram no máximo a remuneração do seu trabalho e que os empregadores pretendam minimizar os custos com o trabalho de forma a obterem os maiores lucros. A negociação, frontal e vigorosa, é boa e recomenda-se. Já uma greve (tal como o lock-out) é uma técnica de chantagem, uma forma de sabotar os interesses alheios (curiosamente sabotando também os interesses próprios, já que, como referi, são confluentes) e que só se pode aceitar em situações limite como a de uma empresa que não paga os ordenados aos seus trabalhadores (não merecendo, em qualquer caso, esta santificação constitucional). Nunca como é usada actualmente: como instrumento de luta política. Como tudo o que é contra-natura, as greves são escassas nas empresas privadas (de vez em quando há aquele clássico de uma empresa que pretende deslocalizar-se e tem os trabalhadores afirmando através de uma greve que fazem muito bem em escolherem novos locais com trabalhadores mais inteligentes). Na administração pública e nas empresas públicas o tom da música é outro e reveste-se de contornos totalitários: fazendo greve sabendo que não têm qualquer consequência na sua vida laboral além do desconto do dia (não há, por exemplo, o problema de se perder um negócio, ou de não cumprir um prazo de entrega e, assim, deixar de receber o bónus associado), os grevistas procuram causar o maior dano à vida dos seus concidadãos e restringir a liberdade alheia.
O André tem toda a razão em focar este ponto. Se os funcionários dos transportes públicos pretendem fazer greve, que a façam, mas que a façam dando a oportunidade aos restantes que querem apresentar-se ao serviço, mas que não têm alternativa se não de ir trabalhar de transportes públicos, de se deslocarem entre casa e trabalho. A recusa em cumprir serviços mínimos é totalitária e deveria permitir, num país normal e com justiça a funcionar a um ritmo mais rápido que o glaciar, que quem perca horas ou dias de remuneração devido a greve de terceiros, ou quem tenha custos adicionais para manter a sua empresa em funcionamento devido à greve, usasse os tribunais para pedir uma compensação aos sindicatos que patrocinam a greve por esses custos.
O totalitarismo da greve vai ainda mais longe, como se vê por esta notícia do i. Quem pretende defender o seu posto de trabalho e, sobretudo, quem pretende defender o seu negócio – e como os tempos estão bons para as empresas que não se esforçam por vender bens e serviços, e que bem que se sairão os trabalhadores dessas empresas (no subsídio de desemprego, pois) – é atacado pelos sindicatos nestes momentos de vale tudo antes da greve geral. E para ludibriar, perante a recusa das pessoas sensatas, efectivas ou com contratos a prazo, que não querem prejudicar a empresa que lhes paga o salário para não virem a ficar sem esse salário em tempos incertos, os sindicatos informam-nos: a greve não será maior por causa, só por causa, dos coitadinhos dos precários que não podem fazer greve.
É claro que os sindicatos – que não se vêem ter muito sucesso, mas enfim, isto das greves também deve ser estratégia de marketing para competir pelos nichos de mercado da extrema-esquerda – esperam que os papalvos culpem o governo em funções pelos transtornos da greve. (O governo é tão incompetente que até dói, e sem surpresa tem como ministra do trabalho uma sindicalista, mas os sindicatos não resistem a contribuir vigorosamente para o nosso rombo económico.) Seria muito conveniente que, se não na forma de indemnizações, os sindicatos fossem de uma vez por todas apresentados, desde logo pelos jornalistas, como instituições que fazem perder dinheiro a toda a gente e cuja importância explica muito da nossa endémica mediocridade política e económica. São as instituições mais imobilistas e reaccionárias que temos no país.