Uma sociedade conformista e que se estrutura nas dependências é uma sociedade frágil e vulnerável. Entregar a outros as decisões mais importantes e determinantes das nossas vidas é um risco e um erro que nos pode ser fatal. Só os próprios podem decidir e dispor das suas vidas e energia vital. E só na autonomia podem decidir de forma reflectida e adequada.
O que vemos hoje? Uma auto-negligência generalizada, uma tendência para se deixar conduzir, para se deixar seduzir, para se deixar surpreender, ainda que por estímulos plastificados e decadentes, simulacros apenas. A luxúria entra aqui, como mais uma dependência: “desejo passional e egoísta por todo o prazer sensual e material.” E a definição da Wikipedia carrega mais na tecla: “Apego aos prazeres carnais, corrupção dos costumes, sexualidade extrema, lascívia e sensualidade.” Aquilo que à partida é próprio de uma fase de desenvolvimento natural e de descobertas maravilhosas, digamos assim, o prazer de estar vivo, de sentir, de respirar por todos os poros, pode cristalizar numa dependência como a “sex addiction” promovida pela cultura actual. Um dos sinais é a insistência perversa em performances em vez de se focarem nos sentimentos. Reforçam-se assim comportamentos próprios de eternos adolescentes em adultos na idade madura. Eternos sedutores e seduzidos num jogo superficial e descartável. Aqui a luxúria está ligada, a meu ver, ao entretenimento das massas, pobre substituto dos afectos.
A autonomia implica maturidade, aceitação dos seus limites e qualidades, delimitação de fronteiras entre o seu espaço e o dos outros, entre a sua vontade e capacidade de decisão e as dos outros. Sendo autónomo, procurará construir a sua própria realidade, o tipo de vida que mais lhe convém, fará as suas próprias escolhas baseadas na reflexão.
A sociedade actual organizou-se nas dependências: consumo de ideias, de comportamentos aditivos, de tendências, de rotinas, de objectos. As pessoas são vistas enquanto consumidores acríticos de tudo o que se lhes apresenta à frente, sejam soluções políticas, sociais, económicas, até à imagem desejável de cada um.
A ira, o pecado que faltava abordar, também acaba por se revelar numa sociedade de conformistas e dependentes. O sentimento de impotência, a fraca tolerância à frustração, tudo predispõe para a perda de controle das situações. Reparem na definição da Wikipedia: ” sentimento mental e emotivo de conflito com o mundo exterior ou consigo mesmo, em que podemos perder o controle das nossas acções. … Envolve perda de racionalidade (ups!) e leva a cometer erros de que nos arrependemos posteriormente (glup!). Não confundir ira com ódio. … A ira é uma explosão forte de um sentimento negativo, proveniente de uma contrariedade, de uma desilusão, de um acontecimento inesperado e negativo, de uma inconformidade ou de uma culpa.”
Como facilmente se conclui, está melhor preparado para lidar com os imponderáveis da vida quem observa, reflecte, antecipa, decide e escolhe. Deve, pois, defender-se essa margem de autonomia de cada indivíduo. Margem de autonomia que se está a perder com a negligência e conformismo generalizados. Uma sociedade assim organizada não está equipada para os desafios do séc. XXI.