O dia seguinte

Ontem fiquei a ver A Noite da Iguana do John Huston, no TCM, talvez pela décima vez. O que eu gosto desta peça de Tennessee Williams e desta versão com o Richard Burton, a Ava Gardner e a Deborah Kerr…

Na peça fala-se da vida, de sobrevivência, dos planos em que nos movimentamos neste mundo para sobreviver… Cada um à sua maneira, e os mais sensíveis são os que mais sofrem, a tentar levar a vida da forma mais confortável possível. Mas esta lógica tão simples não se aplica ao nosso Reverendo nem ao seu anjo da guarda que pinta o seu retrato e finalmente o liberta do pesadelo. O Reverendo agride-se constantemente por não corresponder ao que considera uma missão terrena no plano divino. Talvez lhe seja difícil aceitar as limitações próprias da natureza humana. De qualquer modo, as expectativas sociais pesam-lhe na alma. A pintora aceita todas as limitações humanas, as suas e as dos demais, e enfrenta-as de frente, com autenticidade e coragem. Nela não há sombra de crítica, apenas compaixão.

Para curarmos as nossas feridas individuais e de grupo-comunidade é esta a atitude básica, aceitar de frente as nossas limitações. Só assim as podemos ultrapassar. Iludi-las é adiar a sua cura, escondê-las é uma ilusão. A compaixão coloca-nos de novo no caminho, sem ficar a olhar para trás. Pois iremos deixar para trás muitas coisas a que nos habituámos: a auto-comiseração, a auto-negligência, a auto-complacência, tudo o que revela o pouco respeito por nós próprios. Também para trás a tendência para darmos o poder a outros de decidir pelas nossas vidas. Para trás, o comodismo e o conformismo. Para trás, o egocentrismo, a ilusão de saltar etapas. Tudo o que nos levou à dependência, à desorganização, à desconfiança generalizada. Claro que tomar a nossa vida nas nossas próprias mãos dá imenso trabalho, implica uma enorme responsabilidade. Tomar as decisões mais adequadas aos nossos objectivos e prioridades. Mas é esse o caminho da dignidade pessoal. E também o caminho da satisfação pessoal. A possibilidade de desenvolver as competências próprias e de colaborar em grupo num projecto comum.

E isto tudo para dizer que já consigo vislumbrar o dia seguinte, refiro-me às eleições de 5 de Junho. Se todos o pudessem assim vislumbrar não teriam tanto receio. Porquê? Porque finalmente já há sinais na sociedade portuguesa de uma reacção alérgica à cultura socialista. Não se revela em revolta ou violência, apenas indiferença e distância. Parte da nossa comunidade já identificou a cultura socialista vigente e rejeita submeter-se a essa lógica e a essa organização corporativa do poder.

O dia seguinte surge como uma madrugada límpida, dissipado o nevoeiro, afastadas as nuvens cinzentas. É um passo ainda tímido mas que delineará a nossa vida colectiva nos próximos anos. E digo isto para afastar receios de quem sente o futuro ameaçado por perspectivas dadas por sondagens quase diárias, a psicose das sondagens. Agarrem-se aos números que contam, da dívida, dos juros da dívida, do desemprego, dos buracos orçamentais, dos passivos das empresas públicas, das parcerias público-privadas, dos milhões mal parados, das fundações-fantasma e das outras. Agarrem-se aos números e aos factos, a nossa situação actual de endividados nas mãos de credores. São esses os factos que contam.

O dia seguinte é um novo início e não podemos falhar. Confiantes em nós próprios e uns nos outros. Sem necessidade de perder tempo a dar muita atenção a quem tanto nos ignorou e desrespeitou. A cultura socialista está a dar os últimos gritos roucos e gastos antes de se tornar inaudível por falta de ouvintes.

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