Como foi possível passar de produtores a consumidores numa área tão sensível como a da alimentação, uma área-chave? Como foi possível deixar que a agricultura, uma área produtiva tão importante, fosse sendo subsidiada para não produzir? Como foi possível ver esta área fundamental ser gerida, de forma tão incompetente e irresponsável, por governos sucessivos?
São as questões que me ficaram a incomodar os neurónios depois da visão da Grande Reportagem da Sic “Quem semeia vento”. Esta reportagem já tinha passado em Maio, mas na altura não dei por ela. Vale a pena ver e rever, registar os números vergonhosos, reparar bem na incapacidade revelada pelos gestores políticos de negociar as melhores condições em Bruxelas e depois a incapacidade revelada em utilizar o financiamento europeu. Uma vergonha nacional. Hoje estamos dependentes das importações para quase todos os géneros alimentares essenciais.
Uma informação útil: quem quer escolher produtos nacionais não basta olhar para o tal código de barras 560, pois parece que se trata de um registo que não garante a origem. O produto deve referir especificamente “produzido em Portugal” ou outra referência à sua origem. Pelo que percebi, as grandes superfícies estão muito atentas às tendências da procura do consumidor pelo que, se verificarem que esta procura se torna significativa, irão voltar-se para os produtos de produção nacional. Outra constatação: os agricultores produtores estão muito dependentes das grandes superfícies, há um certo desequilíbrio nas condições de pagamento, sobretudo em relação a prazos. Alguns associaram-se para ter alguma capacidade de negociação.
Vejam a que nível de indigência política chegámos: os agricultores que querem investir na produção biológica – um dos “nichos de mercado” onde podemos ter algum futuro interessante – só têm tido entraves legislativos pela frente (e nem são entraves comunitários, são locais…) Outra prova de negligência política nacional é uma ausência de perspectiva nos investimentos estratégicos: um exemplo foi a fábrica de produção de açúcar a partir da cultura de alfarroba. Os agricultores envolvidos alteraram as suas culturas durante uma década para depois terem de a abandonar subitamente em 2005, desta vez por pressão comunitária. Um dos agricultores envolvidos referiu que ainda não tinha conseguido recompor-se do prejuízo.
Um país que não produz sequer o que come é um país vulnerável. Parece que o destino dos países mediterrânicos, desenhado em Bruxelas, era o de meros consumidores dependentes da produção francesa (agricultura) e alemã (indústria). Destinados a depender igualmente de uma lógica massificada, contrária à lógica do séc. XXI que aponta para a diversificação do consumo. Enquanto aqui vemos multidões nas grandes superfícies, os consumidores da Europa “sofisticada e desenvolvida” viram-se progressivamente para produtos de produção biológica em lojas e mercearias da especialidade. E esta mentalidade de consumo massificado foi promovida e reforçada por interesses “estratégicos”, só que à custa do país e dos cidadãos portugueses. Contra precisamente os interesses do país e dos cidadãos portugueses.
Este fenómeno também tem a ver com o poder de compra e
o grau de informação dos consumidores, em ambos os factores
estamos claramente abaixo da tal Europa do Norte.
Cada vez me chocam mais os carrinhos dos hipers a abarrotar
de produtos, que discriminação fazem afinal as familias? No inicio
do mês, carro cheio, no fim do mês passam fome?
Há iletracia financeira e há “iletracia do consumo”…?